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A energia nuclear e os 30 anos do desastre de Chernobyl

Por| 26 de Abril de 2016 às 15h47

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Denis Sinyakov/Greenpeace
Denis Sinyakov/Greenpeace

O dia 26 de abril de 1986 entrou para a história da humanidade como a data em que aconteceu o maior acidente nuclear de todos os tempos na pequena cidade de Chernobyl, na Ucrânia, então parte da União Soviética. O quarto reator da usina localizada na até então desconhecida cidade soviética sofreu uma explosão de vapor seguida de derretimento nuclear, despejando assim uma enorme quantidade de material radioativo no ar, criando uma nuvem de gases 200 vezes mais radioativa do que aquela formada nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki após a detonação de duas bombas atômicas em 1945.

Não houve uma razão exata para o acidente na Ucrânia, mas o consenso em torno do tema é o de que falhas de projetos e erros humanos na manipulação dos controles do reator culminaram no desastre. A fim de testar o funcionamento do equipamento mesmo com baixa energia disponível, os responsáveis pela usina desligaram os geradores de emergência e reduziram a potência do reator para 25%. Some a isso algumas falhas de projeto e o resultado foi o primeiro acidente nuclear de nível 7 registrado pela humanidade.

No início, o governo da URSS tentou esconder o ocorrido da comunidade internacional, mas altos níveis de radiação detectados em países vizinhos alertaram a todos. Foi então que o primeiro-ministro do país euroasiático Mikhail Gorbachev foi a público informar o mundo sobre o ocorrido na Usina de Chernobyl.

Em um primeiro momento, ao menos 30 pessoas morreram por resultado direto do acidente. Até 2005, a Organização Mundial da Saúde estimou em 4 mil o número de mortos direta ou indiretamente ligados ao acidente de Chernobyl — o Greenpeace considera este número subestimado e sugere um bem maior: 200 mil mortos em decorrência do desastre ao menos até 2006. Além disso, o governo ucraniano estima que apenas 5% das cerca de 600 mil pessoas envolvidas nos trabalhos de resgate e limpeza estejam saudáveis.

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Pripyat, com a usina de Chernobyl ao fundo, nos dias de hoje. (Foto: Denis Sinaykov/Greenpeace)

30 anos depois

Três décadas depois do desastre, Pripyat, a cidade construída ao redor de Chernobyl para abrigar os trabalhadores da usina, virou um deserto. Evacuada nos dias seguintes ao acidente, ela atualmente se parece com um cenário de The Walking Dead, com ruas e prédios tomadas pelo mato — em torno da usina, foi criada uma zona de exclusão de 2,8 mil quilômetros quadrados a fim de isolar a área.

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Sem a ação humana intensa, o número de espécies de animais e plantas que voltou a habitar a região cresceu de forma inédita. “Quando as pessoas se foram, a natureza voltou”, comentou o biólogo da zona de exclusão de Chernobyl Denys Vyshnevskiy, em entrevista à AFP. “A radiação está sempre aqui e tem um impacto negativo, mas não tão significante quanto a ausência de intervenção humana”, complementa.

É claro que o lugar não é exatamente um paraíso. Segundo o professor de biologia da Universidade da Carolina do Sul Timothy Mosseau, que vai ao menos uma vez por ano a Chernobyl desde 1999, os efeitos da radiação são notáveis na fauna da região. “Observamos vários efeitos causados pela radiação: anormalidades no desenvolvimento, tumores, cérebros menores do que a média e defeitos no esperma desses animais”, comenta em entrevista à revista Galileu.

Usina de Chernobyl nos dias de hoje. (Foto: Miguel Yunquera/Flickr)

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De qualquer forma, se espécies como cegonhas e pombos, que dependem de dejetos humanos para sobreviver, se foram, apareceram em seu lugar animais selvagens e mais autônomos, como lobos, ursos, águias e linces. Em relação à flora, o bosque que rodeava a usina foi rapidamente destruído e seus restos foram enterrados por escavadeiras junto dos dejetos nucleares. Entretanto, aos poucos, as plantas foram retomando o seu lugar, desta vez muito mais resistentes à radiação.

Chernobyl será habitável novamente algum um dia?

A região de Chernobyl está deserta. Apenas 36 horas após os eventos que culminaram no maior desastre nuclear da história, o local foi evacuado e a enorme maioria de seus moradores jamais voltou — estima-se que cerca de 300 pessoas vivam atualmente por lá. Os níveis de radiação dentro da zona de exclusão são considerados baixos, não alcançando um patamar perigoso para seres humanos. Porém, quanto mais próximo da usina, maior é a radiação, resultando em ambientes que não devem ser frequentados por seres humanos durante mais do que alguns minutos.

O futuro de Chernobyl ainda é incerto. O reator quatro da usina foi selado por um enorme “sarcófago” de concreto, que atualmente encontra-se em estado bastante ruim. Um consórcio internacional deve realizar a sua substituição apenas a partir do ano que vem, em uma obra orçada em US$ 2,2 bilhões. Segundo a BBC, após a finalização desta obra é que terão início os trabalhos de remoção de toda a estrutura do reator e também do entulho.

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Entretanto, ainda estamos bem longe de ver a região habitável novamente. A duração da radiação causada pelo césio 137, um dos elementos mais nocivos expelido pela explosão da usina, é de cerca de 30 anos. Contudo, análises do solo feitas em 2009 mostraram que a quantidade de césio 137 presente na região não diminuiu nesta proporção, obrigando os cientistas a refazerem o cálculo de quando supostamente a cidade ucraniana poderá ser livremente habitada sem qualquer risco. Com isso, estima-se atualmente que levaria de 180 a 320 anos até que os efeitos radioativos se tornassem praticamente nulos.

Pessoas ainda vivem na zona de exclusão de Chernobyl. (Foto: Jan Grarup/Greenpeace)

Contudo, o césio 137 não foi a única substância que tomou os ares da região ente Rússia, Ucrânia e Bielorrússia. Segundo o Greenpeace, toda a quantidade de plutônio liberada pela explosão do reator quatro da Usina de Chernobyl levará 24 mil anos para desaparecer completamente, o que transforma em incógnita qualquer possibilidade de presença humana em massa por lá.

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Energia nuclear: as possibilidades

É difícil cravar de forma rápida e definitiva se a energia nuclear é mais uma ameaça do que uma oportunidade para a humanidade. O acidente nuclear em uma usina de Fukushima, no Japão, em 2011, reacendeu os debates acerca dos perigos da energia nuclear. Estima-se que os efeitos gerais do acidente podem causa até 2,5 mil casos de câncer. Além disso, os efeitos da radiação podem causar a morte de até 1,1 mil pessoas. A combinação de todos esses fatores e o fantasma de Chernobyl provavelmente deixam muita gente de cabelos em pé quando se fala na construção de usinas nucleares.

Defensores do método fazem apologia a ele ressaltando os seus pontos positivos, como o fato de ser menos poluente do que os combustíveis fósseis e não produzir gases do efeito estufa, não depender de fatores climáticos, como vento, chuva ou luz do sol, ser de fácil transporte e ainda demandar uma área pequena para a construção de uma usina.

Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, deixou o movimento e atualmente é um defensor da energia nuclear. “Nós cometemos o erro de associar energia nuclear com armas nucleares, como se as duas coisas fossem malignas”, comentou em entrevista à revista Newsweek, em 2008. “Eu penso que este é um grande erro, como se você associasse medicina nuclear com armas nucleares”, continua. “Além da energia hidrelétrica, que eu também apoio fortemente, a nuclear é a única tecnologia que se iguala aos combustíveis fósseis disponíveis como fonte de energia contínua e de larga escala”, defende Moore.

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Outro argumento que reforça o apelo à energia nuclear é o grande número de mortes associadas à energia gerada a partir de combustíveis fósseis. A queima destes combustíveis contribui para poluir não somente o meio ambiente, mas também o ar, sendo em parte responsável por cerca de 3 milhões de mortes por poluição todos os anos, segundo um estudo de 2015 da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York. Em suma, os possíveis riscos da adoção da energia nuclear em larga escala não seriam maiores do que os riscos da manutenção da energia baseada em combustíveis fósseis.

A energia nuclear conta com inúmeros defensores. (Foto: Rodrigo Gómez Sanz/Flickr)

Além disso, é recorrente a opinião de que a energia nuclear pode significar um avanço no combate ao aquecimento global. “Qualquer diminuição da energia nuclear no curto ou médio prazo levará a um aumento do uso de carvão e gás, maiores emissões de gases estufa e a intensificação da colaboração com o aquecimento global”, defendeu o jornalista ambiental Mark Lynas logo após a sequência de eventos em Fukushima — vale lembrar que o acidente foi ocasionado por um tsunami gerado após um terremoto na cidade japonesa.

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Outro ponto que pesa a favor da energia nuclear são os números na redução da poluição. Segundo o especialista em clima James Hansen, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, ao longo dos últimos 20 anos o investimento do país norte-americano nesta fonte de energia impediu a emissão de 64 bilhões de metros cúbicos de gases do efeito estufa, salvando mais de 1,8 milhões de vidas no processo. Segundo Hansen, a queima de combustível fóssil é responsável pela metade das emissões de gases do efeito estufa no mundo hoje. “Se você substitui estas centrais elétricas por reatores nucleares modernos e seguros, poderia ter uma redução da poluição bastante rápida.”

Energia nuclear: as ameaças e os obstáculos

Se há quem defenda, os detratores da energia nuclear também apresentam alguns argumentos bastante sólidos para combatê-la. Um dos pontos de maior impacto seria o grande volume de alterações em ecossistemas aquáticos devido a alta elevação da temperatura da água usada no resfriamento dos reatores, o que poderia ocasionar em danos irreversíveis a estes ambientes.

No caso do acidente ocorrido na cidade japonesa de Fukushima, o derretimento dos reatores da usina nuclear expôs milhares de pessoas à radiação e destacou mais uma vez alguns dos principais perigos deste tipo de energia.

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“A catástrofe nuclear no Japão vai mudar o mundo, e de forma permanente. Ela deixa claro o quão perigosa e incontrolável a energia atômica de fato é”, defende a jornalista de ciência Judith Hartl. Ela ressalta que, apesar de termos dominado os aspectos técnicos da fissão atômica, é evidente que nem mesmo os especialistas sabem como agir quando a energia nuclear foge do controle, como aconteceu em Chernobyl e em Fukushima. “Aí o que predomina é a impotência, e a simples esperança de que a fusão do núcleo do reator pare por si mesma”, escreveu.

Outro obstáculo para a energia nuclear está no lixo radioativo produzido pelo funcionamento das usinas. Até agora, ninguém tem uma solução precisa e eficiente sobre qual o destino destes dejetos, o que sem dúvidas amplia gravemente a possibilidade de contaminação do solo. “Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão nuclear de alta radioatividade, que podem trazer consequências catastróficas a vida”, escreveu em artigo de 2011 o doutor em energia Heitor Scalambrini Costa.

Sarcófago erguido para evitar que a radiação da Usina de Chernobyl se espalhe. (Foto: Denis Sinyakov/Greenpeace)

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Outro aspecto bastante importante que pesa contra a energia nuclear é o seu alto custo. “Do ponto de vista econômico, o custo de uma central nuclear é enorme, da ordem de R$ 10 bilhões”, defende Costa. “Geralmente este valor está aquém dos valores finais da obra. Nas planilhas de custos é subestimado (até não levado em conta) os custos de armazenamento dos resíduos, da desmontagem da central após sua vida útil e limpeza de locais contaminados, o reforço da linha elétrica para distribuição, e os serviços de fiscalização e segurança, entre outros”, prossegue o especialista. De acordo com a revista Scientific American, abastecer um quarto dos Estados Unidos com energia nuclear demandaria um investimento inicial de US$ 7 trilhões.

Mais um ponto grave da energia nuclear está na proximidade do seu desenvolvimento com o uso militar de suas possibilidades. “No Brasil, historicamente, a relação entre o uso da energia nuclear para fins energéticos e para fins militares é muito estreita”, escreve Costa, destacando que o Programa Nuclear Brasileiro surgiu durante a ditadura civil-militar (1964-1985) e até hoje ainda está intimamente ligado às Forças Armadas. Denúncias de que países como Irã e Coreia do Norte estariam enriquecendo urânio para fins bélicos também não são tão escassas e não podemos nos esquecer das duas bombas atômicas jogadas pelos Estados Unidos sobre o Japão ao final da Segunda Guerra Mundial.

O futuro da energia nuclear

Apontada por alguns como a grande possibilidade de combater o efeito estufa e reduzir os níveis de poluição do ar e do meio ambiente; por outros, é vista como uma energia maligna, capaz não somente de infectar o solo com seus detritos, mas também de destruir ecossistemas aquáticos e elevar o risco de contaminação em caso de acidente, além do seu elevado custo de criação e manutenção e do fantasma das bombas atômicas sempre rondando a humanidade.

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Neste dia em que o maior acidente nuclear da história completa mais um ano, é importante ficar atento às informações dos especialistas para que, independente dos caminhos escolhidos, eles sejam trilhados com segurança e sustentabilidade nos aspectos sociais, econômicos e ambientais.

Fontes: Union of Concerned Scientists, AFP, Wired, Nuclear Information and Resource Service, Greenpeace, Organização Mundial da Saúde, CBC News, Portal Energia, G1, Correio Braziliense