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Como a Pebble conseguiu perder tanto valor de mercado em tão pouco tempo?

Por| 07 de Dezembro de 2016 às 23h13

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Como a Pebble conseguiu perder tanto valor de mercado em tão pouco tempo?
Como a Pebble conseguiu perder tanto valor de mercado em tão pouco tempo?

Em uma era de startups, informação fácil e conexões ultrarrápidas, o mundo da inovação acaba se tornando uma grande selva. E no meio de tantas brigas entre Davis e Golias, quem abre mão do bom senso acaba prejudicado na indústria, seja ela qual for. Foi isso que aconteceu com a Pebble, que deixou de valer US$ 740 milhões para chegar a menos de US$ 40 milhões em questão de quatro anos.

Tudo estava indo muito bem. A proposta do produto, o projeto, a campanha no Kickstarter, os investidores, as vendas. A Pebble conseguiu trazer para o mercado de wearables um produto simples, porém diferenciado, e que agradou bastante aos clientes: um smartwatch com funções diretas ao ponto, sem “frescura”, compatível com Android e iOS, e com baterias que chegavam a uma semana de duração. Estava na roda dos vestíveis o Pebble, com posterior surgimento de novos modelos, como o Pebble 2, o Pebble Time, o Pebble Time Steel, o Pebble Time Round e o Pebble 2 SE.

No entanto, parece que a empresa abusou da confiança, algo essencial em toda e qualquer atividade de empreendimento, mas perigoso, muito perigoso. Quando Eric Migicovsky lançou a campanha no Kickstarter, em 2012, pediu US$ 100 mil iniciais como meta. A ideia era tão boa que ele conseguiu bater seu objetivo não em questão de dias, mas de horas, chegando a incríveis US$ 10 milhões. As pessoas confiaram tanto no produto que 85 mil pedidos foram feitos naquele meio-tempo.

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A coisa toda surgiu de uma maneira tão inesperada que fez bem a todos os envolvidos. A Pebble, obviamente, viu mil razões para produzir o melhor que conseguiria, e apostou firme na ideia. Já o Kickstarter chamou a atenção de toda a mídia com um caso de sucesso que inspirou milhares de outras empresas iniciantes e investidores a fazerem o mesmo. De tão estrondoso que foi, o sucesso fez Migicovsky acreditar piamente em sua nova companhia, recusando propostas milionárias — como a da japonesa Citizen, que ofereceu US$ 740 milhões na Pebble.

Mas, ok, já que tudo ia muito bem, não é mesmo?

Pouco tempo depois, o CEO Migicovsky relevou a potencial ameaça que o Apple Watch exerceria sobre o seu produto no mercado. E o fez publicamente: “Eles querem ser o Rolex ou a Tag Heuer dos smartwatches”, afirmou, com grande auto-estima. “Por outro lado, eu acho que estamos tentando ser a Swatch dos smartwatches”. Legal, uma empresa cool, voltada para pessoas descoladas, que buscam praticidade a preços acessíveis... mas o mercado respondeu rápido às afirmações do executivo: aconteceu o inevitável declínio que a Pebble viu em suas vendas quando o Apple Watch foi lançado no mercado, em 2014. Mesmo assim, o executivo continuou irredutível em suas propostas e recusou uma segunda oferta, desta vez, de valor mais modesto: US$ 70 milhões — feita por ninguém menos que a Intel.

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Como uma oferta de US$ 740 milhões para comprar sua empresa pode se transformar, em tão pouco tempo, em uma segunda proposta, desta vez de US$ 70 milhões, por alguém igualmente gigante em um mercado de nicho? Sem querer comparar as superioridades de Citizen e Intel; mas cabe dizer que a noção pela compra pode ser dividida, aqui. Uma é potência em relógios no mundo inteiro. A outra, em processadores. Se desmembrarmos a etimologia da palavra smartwatch (smart: inteligente; watch: relógio), dá para conceber dois pesos e duas medidas e traçar um parâmetro de comparação entre as duas ofertas, que, subtraídas, nada mais foram que o reflexo de uma queda substancial da Pebble no mercado.

Hoje, no entanto, Eric se deu por vencido: você leu aqui no Canaltech que a Pebble finalmente aceitou ser vendida. Já desgastada de tantas propostas e em declínio (apesar da genialidade e simplicidade de seu produto), ela se rendeu à concorrente Fitbit. Ironia do destino ou não, a venda foi concluída em “míseros” US$ 40 milhões. Segundo a Bloomberg, esse acordo cobre principalmente os engenheiros envolvidos na criação dos Pebbles.

Agora, uma informação que talvez você desconheça: o preço da venda é menor do que a dívida da Pebble — esta, a Fitbit não quis comprar. Portanto, a Pebble terá de se virar para vender seu estoque separadamente.

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E assim termina uma história de empreendedorismo que pode ser contada como um case de sucesso repentino e fracasso inesperado, em uma situação na qual confiar demais acabou se tornando o tiro que saiu pela culatra. Ora, ter confiança na ideia e no produto é um aspecto essencial, uma das avenidas principais que levam ao sucesso. Mas daí a partir para, com o perdão do neologismo, “cabeçadurice”, já é um passo adiante rumo ao precipício. É o que a teimosia e o excesso de autoconfiança custaram a Eric Migicovsky.

Mas, sejamos razoáveis: em vez de crucificarmos o CEO da Pebble por um erro, tentemos nos colocar em seu lugar. Esse tipo de decisão é extremamente difícil para um executivo na posição de chefia de uma empresa. Aliás, poucas decisões são tão difíceis como a venda de uma companhia, independentemente de tempo de mercado. No final das contas, o que chama a atenção aqui é saber identificar onde a confiança de um fundador pode se tornar mais perigosa, ou mais gratificante. Temos no mercado cases de sucesso como o de Evan Spiegel com o Snapchat. Ele rejeitou uma oferta de US$ 3 bilhões feita pelo Facebook, e hoje está caminhando rumo a um IPO que valoriza a companhia em US$ 25 bilhões no ano que vem. Arriscado? Sem dúvidas.

Apesar de o mercado sempre resolver aplicar suas doses aleatórias de imprevisibilidade, é raro acontecer algo como o caso do Snapchat (ou Snap, após o rebranding). O perigo é que, muitas vezes, o excesso de confiança pode ser confundido com arrogância. Como cita Oliver Stanley, do Quartz, talvez o melhor exemplo de excesso de confiança da atualidade seja o de Jerry Yang, cofundador e ex-CEO do Yahoo. Quando na chefia da empresa, em 2008, Yang recusou uma oferta de US$ 44,6 bilhões (BI-LHÕES!) da gigante Microsoft, e levantou a crista para bradar que a empresa “subvalorizou substancialmente” o Yahoo, pouco antes do primeiro crash financeiro pelo qual passou. E deu no que deu: neste ano, a Verizon pagou 4,8 bilhões e botou as principais operações do Yahoo no bolso.

São peças que o mercado nos prega e que servem de grande exemplo em qualquer empreendimento ou investimento. Pelo menos para a maioria dos investidores, transformar uma startup com US$ 100 mil de capital inicial em uma empresa com valor de mercado de US$ 40 milhões já é uma grande, enorme história de sucesso. A diferença é que esses, pelo menos, não confundem confiança com ganância. A linha, no entanto, torna-se tênue na presença de um fator bastante temerário: a prepotência.