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A gravidade é a mesma em toda a Terra?

Por| Editado por Patricia Gnipper | 07 de Outubro de 2019 às 08h40

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NASA
NASA

Se você viajar de navio da Cidade do Cabo, na África do Sul, até Belém, no Pará, vai percorrer uma descida bem sutil, imperceptível. É que, ao longo desse trajeto, existem diferenças de massa no planeta e, portanto, variações no campo de gravidade. Neste mesmo exemplo, o nível do mar no porto do sul da África do Sul está a 70 metros acima da altura do mar no porto de Belém.

Essas variações são sutis. “Ninguém nota esse desnível porque a distância entre a África do Sul e o Brasil é muito grande, de quase 8 mil quilômetros”, afirma o geofísico Eder Cassola Molina, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). “Além disso, a superfície do mar é curva, já que nosso planeta tem o formato aproximado de uma esfera”. Pois é, as mudanças podem ser imperceptíveis - mas compreendê-las é importante para saber muitas coisas importantes sobre nosso planeta.

A Terra é rugosa e tem diferentes massas em diferentes localizações, e o campo gravitacional acompanha essas variações, que acontecem de acordo com a densidade das rochas embaixo da terra e outros fatores. Afinal, a distribuição de massa no planeta é heterogênea. Ainda de acordo com Molina, “a distribuição de massa da Terra controla o nível em que a água do mar vai se encontrar em um dado instante, pois a superfície instantânea do mar se ajusta de acordo com o campo de gravidade". Ele completa dizendo que “na verdade, nem existe um nível do mar, mas um nível médio ou um nível instantâneo do mar”.

Anomalia gravitacional

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Existe uma diferença entre a gravidade calculada teoricamente e o valor real da aceleração da gravidade de um determinado lugar do planeta. Essa diferença é chamada de “anomalia gravitacional”, e pode ser medida com base em um modelo que contempla as dimensões, massa e rotação do planeta. Uma anomalia positiva indica a presença de um corpo com excesso de massa em relação ao modelo de referência, enquanto a anomalia negativa ocorre quando o valor real é inferior ao valor teórico.

Essa anomalia é observada na Terra, já que ela não tem a mesma força gravitacional em todos os lugares. Isso pode ser medido por meio de um aparelho chamado gravímetro, ou, melhor ainda, através de satélites. A noção de que o nosso planeta tem pontos gravitacionais diferentes dependendo da localização existe há mais de um século, mas só recentemente os cientistas puderam criar um modelo preciso com a ajuda dos equipamentos posicionados na órbita terrestre.

Geoides criados por satélites

O satélite Gravity Field and Steady-State Ocean Circulation Explorer (GOCE), da Agência Espacial Europeia (ESA), começou a mapear o campo gravitacional da Terra em 2009. Com os dados coletados, os pesquisadores criaram em 2011 um geoide - mapa da Terra baseado em seu campo gravitacional - bastante preciso. Com ele, podemos observar que a diferença é realmente sutil, porém generalizada.

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No geoide acima, o amarelo e vermelho indicam uma maior atração gravitacional, enquanto o azul indica uma força gravitacional menor. A gravidade apresenta diferenças em vários lugares - podemos notar algum contraste entre a plataforma continental e o mar, entre montanhas e desertos. Geleiras também podem alterar a aceleração da gravidade.

Existem outros geoides, como o mapa da gravidade preparado no final de 2001 para ajudar os cientistas a planejar o lançamento de dois satélites Grace (Gravity Recovery and Climatic Experiment), lançados no ano seguinte. De acordo este o mapa, o peso de uma pessoa seria 1% menor na Índia. Abaixo, está outro geoide criado pelo GOCE, dessa vez mostrando que a Terra teria um formato ligeiramente semelhante ao de uma batata. 

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Já o mapa de Molina tem foco no trecho entre a costa da África e a América do Sul. Variações de até 70 metros no nível médio do mar refletem as diferenças do campo de gravidade da Terra.

Denizar Blitzkow, professor da Escola Politécnica da USP, trabalha com equipes do IBGE em mapas da variação do campo de gravidade em todo o território brasileiro, e outros países da América do Sul. Em um mapa de 2010 mostra que a força ou aceleração da gravidade é menor em uma área que compreende o Ceará, um pouco dos estados vizinhos e a região central do país, até o norte do estado de São Paulo.

As alturas geoidais variam de +40 metros nas regiões dos Andes (Bolívia e Peru) até -20 metros nas regiões norte e nordeste do Brasil. Mas os Andes, apesar de seus 6.000 metros de altitude, não têm muito mais massa que a Amazônia, de acordo com Blitzkow. “Se pudéssemos pesar um cilindro da superfície de uma montanha dos Andes e outro da Amazônia, veríamos que a diferença de peso não é tão intensa quanto a variação de altitude”. Ou seja, não importa muito se estamos em uma montanha ou um vale - o que interfere mesmo na força gravitacional é a massa contida no subsolo da região.

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Impacto na ciência

Para nós, humanos, estas diferenças na gravidade podem ser insignificantes, mas elas têm um grande impacto na dinâmica do oceano e da circulação de calor ao redor do planeta. Por isso, os geoides de alta precisão podem ajudar nos estudos climáticos, na compreensão da estrutura interna da Terra, no entendimento da dinâmica do gelo e da mudança do nível do mar, entre outros fenômenos que afetam a vida na Terra. Compreender a anomalia gravitacional do planeta poderia até mesmo ajudar os cientistas a saber mais sobre a atividade tectônica que causa terremotos e vulcões.

Fonte: PopsciBBC, Pesquisa FAPESP